29/01/2011 19h13 - Atualizado em 29/01/2011 19h22
Egípcios desafiam toque de recolher e Cairo tem relatos de saques
Moradores tentam proteger suas propriedades em meio à desordem.Presidente tenta manobra política nomeando premiê e vice-presidente.
As Forças Armadas do Egito exigiram que manifestantes obedeçam imediatamente ao toque de recolher ordenado pelo governo e deixem as ruas da capital, enquanto relatos de saques, destruição de propriedades e incêndios se espalham pela cidade.
Milhares de egípcios estão desobedecendo o toque de recolher e continuam com manifestações contra o governo. Houve relatos de saques e habitantes de subúrbios ricos do Cairo relataram a chegada de veículos militares nestas localidades, com o objetivo de impedir novos ataques a propriedades.
A brasileira Larissa Amorim, que mora nos arredores da capital, contou à BBC que o medo era muito grande na sua vizinhança devido aos saques que ocorriam na cidade. "Meu marido foi à rua juntamente de outros homens do bairro com facas e bastões para proteger as propriedades", contou ela, que é casada com um egípcio e mora no país desde 2007.
A rede de TV CNN exibiu imagens de pessoas armadas nas ruas do Cairo. Portando rifles, pistolas e outros instrumentos mais simples, como bastões e até tubos de aspirador de pó, eles tentavam espantar grupos que circulam em motos, supostos saqueadores."Nós estamos muito nervosos, mas os moradores falaram que, por enquanto, não havia sinais de distúrbios na área."
A rede de TV CNN exibiu imagens de pessoas armadas nas ruas do Cairo. Portando rifles, pistolas e outros instrumentos mais simples, como bastões e até tubos de aspirador de pó, eles tentavam espantar grupos que circulam em motos, supostos saqueadores."Nós estamos muito nervosos, mas os moradores falaram que, por enquanto, não havia sinais de distúrbios na área."
Prédios do governo também foram alvos de tentativas de invasão, que deixaram dezenas de feridos. Os militares disseram que vão agir 'com firmeza' para restabelecer a ordem e impor o toque de recolher. Em uma prisão no Cairo, os detentos armaram uma tentativa de fuga em massa, que foi contida. Oito presos morreram.
Mapa do Egito mostra as cidades em que ocorreram
os principais protestos (Foto: Arte G1)
A brasileira Rossana dos Santos, que mora em Alexandria, outra cidade sob toque de recolher, disse, em entrevista à Globonews (veja vídeo acima), que ali também há homens armados tentando proteger os edifícios.
Ofensiva política
Ao mesmo tempo em que os confrontos entre manifestantes egípcios e a polícia voltavam a ganhar caráter violento, o governo do Egito lançou ofensiva política. O ex-ministro da Aviação Civil, Ahmad Shafic, foi confirmado pelo governo como primeiro-ministro. Shafic, que é um ex-comandante da Força Aérea, será o resposável por formar o novo gabinete de ministros, que foi dissolvido neste sábado (29), em consequência às ações dos opositores ao atual governo do presidente Hosni Mubarak .
Depois da oficialização da estratégia anunciada nesta sexta-feira, o presidente egípcio, que não escolheu um vice-presidente desde sua posse em 1981, nomeou o seu chefe de inteligência e confidente Omar Suleiman, para o cargo. Dessa forma, o presidente garante aliados militares no novo governo a ser formado.
Hosni Mubarak recusa-se a deixar a presidência, apesar da pressão da população. Como reforço à posição de Mubarak, o Parlamento egípcio anunciou neste sábado que não tem planos para antecipar as eleições.
Também hoje, o presidente mandou soldados e tanques para a capital Cairo e para outras cidades. O envio de tropas do exército para ajudar a polícia mostrou que Mubarak ainda tem o apoio dos militares, a força mais poderosa do país. Porém, qualquer mudança de opinião dos generais poderá selar o seu destino.
Líder espiritual muçulmano defende renúncia
A tensão pode aumentar ainda mais com as declarações do xeque Yusef Al Qardaui a favor da renúncia do presidente Hosni Mubarak. O egípcio Yusef Al Qardaui é considerado o pregador mais influente do mundo árabe. Em entrevista à televisão Al Jazeera, o líder afirmou que a renúncia poderia resolver a crise no Egito.
"Mubarak, tenha misericórdia sobre essas pessoas e fuja antes que a destruição se estenda no Egito", afirmou o teólogo sunita que lidera a União Mundial de Sábios Muçulmanos e é um dos líderes espirituais da Irmandade Muçulmana no mundo.
Manifestante sobe em tanque de guerra em protesto no Egito (Foto: Ben Curtis/AP)
Número de mortes aumenta
A agência de notícias Reuters apurou com fontes médicas, hospitais e testemunhas que pelo menos 74 pessoas foram mortas em protestos em todo o Egito. Segundo o levantamento, 68 mortes foram registradas nas cidades do Cairo, Alexandria e Suez durante os protestos de sexta-feira.
Entre os conflitos mais intensos deste sábado está a tentativa de invasão ao prédio do Ministério do Interior, quando pelo menos três pessoas foram mortas pela polícia. Antes disso, fontes de segurança disseram à Reuters que pelo menos seis pessoas, incluindo um policial, havia sido mortas.
Neste sábado, fontes médicas disseram à agência que cerca de 2 mil pessoas ficaram feridas em todo o país, porém com mais protestos em movimento, esse número pode aumentar. Pelo menos trinta corpos foram levados para o hospital de El Damardash no centro do Cairo nesta sexta-feira.A Associated Press apurou que o total de mortes desde o início das manifestações, que começaram nesta semana, já soma 35 pessoas, o que inclui 10 policiais.
Manifestantes egípcios atacaram também neste sábado um prédio na sede da Segurança de Estado da cidade de Rafah. Pelo menos três policiais morreram com a explosão. A cidade, localizada na Faixa de Gaza, fica na fronteira com o Sinai, no Egito.
A explosão aconteceu após manifestantes beduínos lançarem granadas contra o prédio, durante confrontos com a polícia. Os policiais reagiram com tiros durante o protesto. O edifício está localizado perto da fronteira de Rafah e, de acordo com testemunhas, está a ponto de desabar.
Por causa da violência, o governo de Israel decidiu repatriou as famílias dos funcionários da delegação diplomática no Cairo e outros israelenses que estavam na cidade.
Toque de recolher
O toque de recolher nas três principais cidades egípcias Cairo, Alexandria e Suez foi prorrogado por mais um dia. A medida foi anunciada neste sábado pelo governo por meio da televisão estatal egípcia. De acordo com a declaração, quem não respeitar a medida estará exposto às ações de repressão da polícia e poderá sofrer "sanções legais". A polícia tenta reprimir os manifestantes desde terça-feira (25).
Um comunicado militar pediu que o “grande povo do Egito” respeite o toque de recolher, que começará duas horas mais cedo, a partir das 16h (horário local), e será encerrado uma hora mais tarde, às 8h do dia seguinte. Nesta sexta-feira, a ordem não não foi respeitada. As forças armadas também pedem à população que se protejam de saqueadores.
Oficial do exército se junta a manifestantes na praça Tahrir, no Cairo (Foto: Yannis Behrakis/Reuters)
A TV estatal também divulgou a manifestação do clérigo islâmico, dizendo que o derramamento de sangue por muçulmanos é proibido por lei religiosa.
Neste sábado, tanques foram posicionados nas vias que levam à praça Tahrir, no Cairo, que estava cheia de entulho, pneus e madeira queimados, usados como barricadas durante a noite.
Ataque ao Ministério do Interior
A polícia abriu fogo contra cerca de mil manifestantes egípcios que tentavam invadir o Ministério do Interior, no Cairo, neste sábado. A reação teria acontecido após um grupo de pessoas atirar contra o prédio e só parou quando tanques de guerra foram enviados ao local.
Na ação, a polícia teria matado pelo menos três manifestantes, de acordo com a rede de televisão Al Jazeera.
Também no Cairo, tanques do exército egípcio e tiros disparados no ar foram usados para controlar pessoas que tentavam atacar a entrada do prédio do Banco Central, onde é impresso o papel moeda. Os manifestantes usavam pedaços de madeira e desistiram da abordagem depois de ouvir os tiros.
Ministros renunciaram
A televisão estatal egípcia afirmou neste sábado (29) que o gabinete de ministros do Egito anunciou oficialmente a renúncia após dias de protestos da população contra o governo de Hosni Mubarak.
Porém, o anúncio não será suficiente para conter a onda de protestos no país. Mais cedo, antes da declaração oficial, o líder opositor Mohamed ElBaradei, afirmou que Hosni Mubarak terá de sair. Segundo ele, o discurso do presidente foi "praticamente um insulto à inteligência das pessoas." El Baradei, chefe da Assembleia Nacional para a Mudança, chegou na última quinta-feira (27) ao Cairo.
Em um pronunciamento televisionado nesta sexta-feira, Mubarak havia afirmado que um novo governo seria formado neste sábado, além de prometer reformas, após quatro dias de vigorosos protestos em todo o país exigindo sua saída.
Pelo menos 30 pessoas morreram no conflito entre manifestantes e policiais (Foto: MARCO LONGARI/AFP)
Internet e telefones móveis desempenharam um papel fundamental na organização de manifestações contra o regime de Hosni Mubarak, liderados por jovens pró-democracia. Eles se inspiraram na Revolução dos Jasmins, que em 14 de janeiro, derrubaram o ditador Zine El Abidine Ben Ali.Telefonia móvel é parcialmente restaurada
O serviço de telefonia móvel foi parcialmente restaurado no Egito na manhã deste sábado. O serviço, assim como o acesso à internet, foi interrompido na tentativa de impedir as manifestações hostis ao regime.
Mas, em comunicado, a empresa britânica Vodafone confirmou ter recebido a ordem de suspender os serviços de telefonia celular.
O Departamento de Estado dos EUA pediu que o país garanta o acesso às comunicações e respeite direitos inidividuais durante os protestos.Um dos maiores provedores da rede no país, o Seabone, baseado na Itália, informou que não havia transmissão de dados para dentro ou fora do Egito desde 0h30 no horário local (20h30 de quinta-feira de Brasília), segundo a Associated Press.
Venezuela
Na Venezuela, manifestantes se concentram em frente à embaixada do Egito, para apoiar o movimento contra o governo de Hosni Mubarak.
O presidente egípcio, Hosni Mubarak, durante a transmissão do seu discurso em cadeia nacional (Foto: Reuters)
ElBaradei
Os milhares de manifestantes pressionam pela renúncia de Mubarak, há 30 anos no poder.
O opositor Mohamed ElBaradei, que recém retornou ao país e se ofereceu a conduzir uma suposta transição de governo.
ElBaradei participou na sexta-feira de uma oração com 2.000 pessoas numa mesquita de Guiza, na capital.
A polícia cercou o local. A rede de TV Al Jazeera chegou a relatar que ele havia sido preso, mas depois desmentiu. Segundo a TV, ele teria sido apenas impedido de deixar o local.
Depois, ele e seu grupo se uniram aos protestos, em uma marcha pacífica pela cidade, segundo testemunhas.